2017-07-17

A lotaria do regloscópio

Não há inspecções verdadeiramente independentes, quando há possibilidade de escolha da entidade inspectora. Por mais que as normas exijam separação entre a produção e o lucro, não conheço entidade alguma que não exista para fazer dinheiro. Mesmo as que conseguem obter a designação de serem sem fins lucrativos, necessitam de dinheiro para viver. E se há instituições sem fins lucrativos que lucram muito mais do que as outras... Este intróito já terá preparado o leitor para o que aí vem. Mas nem por isso. Não é este o tema central, apesar de associado. Discorro sobre a impossibilidade de indiscernibilidade entre entidades e, até mesmo, dos próprias centros de uma mesma entidade. Porque cada entidade é uma entidade. E cada centro é um centro. E, obviamente, cada inspector é um inspector. Não quero dizer com isto que uns são corruptos e outros não. Vou aqui assumir que todos estão de boa fé neste ramo. Com a vontade de moralizar o sector e arrecadar mais algum, o Estado permitiu a abertura de novos centros. Aproveitou e acenou com uma nova área de inspecções: a categoria L. Entretanto descobriu-se que a categoria L não iria cobrir os motociclos de baixa cilindrada, deixando de parte a esmagadora maioria dos veículos de duas rodas. Arrisco até a dizer que deixou de lado os veículos de duas rodas mais poluentes, descuidados, degradados e alterados. Enquanto as entidades esperam pelas novas inspecções, vão aproveitando a actualização extraordinária dos preços das inspecções, que tinham ficado durante anos congeladas, não se percebe bem porquê. Os inspectores aguardam pela formação e alguns foram tirar a carta de condução de categoria A (ficarão motards experientes num ápice, prontos a dominar as motas mais potentes e pesadas). No meio da parafernália de equipamentos que cada centro de inspecções tem que possuir, entre os quais alguns que nunca ou muito raramente usa, existe um enigmático que dá pelo nome de regloscópio. Não é mais do que um sistema que permite trazer para perto a projecção dos faróis dos veículos, os quais foram projectados para projectar a luz bem mais longe. Tão simples é o seu princípio e tão complicada tem sido a sua utilização. Sem definição clara e quantificada de valores de aprovação e de reprovação, que variam de veículo para veículo, têm sido usados dependendo do bom senso e da perícia de cada inspector. Uma questão de sorte, que tanto choca com a questão da qualidade. As novas definições estarão para ser aplicadas em breve, cabendo a cada cliente prestar atenção ao trabalho do inspector para confirmar se tudo foi feito correctamente. Como o cliente dificilmente será um especialista na matéria, terá que se contentar com a qualificação dos inspectores e das entidades para esse trabalho. Agora multipliquem isto por todos os ensaios que passarão a ser feitos a apenas alguns dos veículos de duas rodas mais potentes. Isto para não falar nos acidentes e pequenas quedas dos visados, teremos muita sorte se tudo correr sem azares...