2015-07-26

Desespero esperando

À espera de outrem, desencontram-nos. Procuramos noutro lugar o que não encontramos aqui e agora. O desassossego da espera desconcentra-nos do mais importante. Eu. Tu. A não ser que esteja à espera de ti. E tu não me procures. Procuras ele. O outro. O desassossego do desencontro não permite a direcção correcta do foco. Desisto de ti. De nós, logo de mim também. Parto em busca de um novo fado. Que não provoque enfado. Prossegues a tua busca. Certamente melhor do que eu, saberás o que pretendes para ti. Para nós. Um nós repleto de afastamento. Cada um na sua extremidade, ainda que possamos passar próximo. Um caminho entre nós que não será mais percorrido. Cabe ao passado guardar esses passos infrutíferos. E assim deve ficar.

2015-07-12

Desprendimento fatal

Não há admiração em não ter a certeza do teu sentimento. Quando o desejo é forte, encontra em todas as palavras a confirmação do que quer ver, ouvir e ler. E isso tolda a compreensão de tudo o que vejo, oiço e leio. A tentativa de compensar leva a ignorar os sinais, para não ser iludido pelo desejo. Tentando adormecer a excitação que me assalta, dizendo-lhe que nada de concreto se passa. Que se trata de uma miragem e não da fonte onde poderei matar esta sede que me consome. É ridículo e desnecessário prender-te. Ridículo porque amarra alguma que eu inventasse, poderia prender-te a mim, contra a tua vontade. Desnecessário pois não faria sentido que ficasses presa a mim, sem perceberes e aceitares esse lugar como teu. E ficas tão bem livre, como precisas e desejas... Como um felídeo, a tua vontade é forte e impera. E não sentes qualquer impulso cego de obediência e fidelidade. Faz parte do teu fascínio e torna-te fatal. Penso que terá sido num filme que ouvi uma personagem dizer a outra, à beira de se casar: o difícil não é dizer que sim a uma mulher para o resto da vida. É dizer que não a todas as outras. E isso resume toda a dificuldade que os homens, mas não só, têm perante tamanho compromisso. Sendo tu portadora desse halo que ofusca todas as outras, como posso dizer que sim a outra, enquanto não receber o teu não, conclusivamente categórico? Sabendo isto, como pode ela ousar sequer tentar desalojar-te do meu coração?

2015-07-09

Requiem próprio

Porque vivemos numa cultura que enfrenta a morte de alguém que nos é próximo com tanto luto e dor? Choramos por quem parte desta vida ou por nós próprios e pelo sentimento de perda que nos provoca? Até as pessoas mais religiosas que acreditam que quando morremos, partimos para outra etapa na vida da nossa alma, parecem não encontrar nisso consolo suficiente. Se a falta de consolo for motivada por egoísmo ou pela negação do acontecimento, ainda haverá desculpa. Creio que poderá também resultar de uma fé abalável. Falta-nos um espírito que aceite aquilo que é. Isto, independentemente da nossa concordância ou gosto. O sofrimento resulta da confrontação entre o que desejávamos que fosse e o que na realidade é. E o que é, por evidente força maior, em caso de morte, não pode ser alterado. E não adianta pensar como seria se tivesse sido de outra forma. Não foi. Não vale a pena gastar recursos em cenários hipotéticos impossíveis de alcançar. Por maior que seja a nossa vontade. E ainda que se trate de uma morte anunciada com prazo marcado, a dor não parece ser reduzida pela capacidade de planeamento. Talvez até piore pois há a tendência para imaginar como será. A morte está anunciada desde o início para todos os seres vivos. Temos mais que tempo para nos preparar para o inevitável. Devemos aumentar o prazo naquilo que estiver ao nosso alcance e não nos martirizar com o resultado daquilo que de nós não depende. Tão simples e tão difícil de implementar. Quando a altura chegar, foquemo-nos nos sentimentos positivos. Não deixemos o nosso egoísmo vencer e aproveitemos todos os momentos para conviver com os que nos são próximos. E com os outros também. Depois, não adiantará chorar. Só se for para desabafar.

2015-07-02

Adiamento temporário

Como pudeste pedir-me que te confessasse o inconfessável? Nada me fez prever.
Que fazes após tal confissão? Confesso que nada esperava que fizesses.
Ficas excitada por seres o objecto desta prosa ardente? O ego promete.
Relembras o passado com emoção? Emociono-me só a pensar nisso.
Acende-se o desejo já esquecido? Uma fagulha quase apagada.
Retiras o projecto do fundo da gaveta? Um esboço a suplicar retoques.
Podemos adiar o coração? Não devemos, mas podemos.
Por quanto tempo? Não sabemos.