2015-02-27

Infantilidade política

Muito se tem falado sobre as declarações do líder da oposição, as quais, como líder da oposição, neste país, só poderiam ser de «denegrição» do trabalho dos governantes. Por outro lado, os apoiantes da governação entoam um coro de gozo com as referidas palavras. E nem os apoiantes do primeiro, nem os apoiantes dos segundos, parecem perceber o ridículo da situação. A oposição não deve ser feita apenas pela negativa, tentando passar por negativo da governação. E a governação deveria ter mais motivos de regozijo do que apontar aparentes contradições na oposição. Ninguém parece ver que este acentuar da negativa impede qualquer solução razoável para os verdadeiros problemas. E cada vez mais faz ver que não vale a pena haver centenas de deputados se apenas servem como coro dos respectivos líderes, sem qualquer sentido crítico. Para câmaras de ressonância ocas, já bastam os aparelhos dos partidos.

2015-02-18

(Des)amar(rar)

    Não consegui libertar-te das amarras.
Provavelmente porque não me desamarrei.
Ou talvez por impossível ser.
As amarras de ti fazem parte.
Cortá-las seria castrar-te.
Pedaços de ti perderias.
Não mais inteira serias.
Mesmo quando te sentes
por elas oprimida,
não poderás ceder.
Ainda que desapoiada,
acabas por prevalecer.
Por o desânimo vencer.
Perdoa por não te ter animado.
Por não estar ao teu lado, amarrado.
Pois por ti e contigo estava amarrado.
E quando me libertei, não te ter levado.
    Para onde? Não sei, mas para algum outro lado.

2015-02-15

Provicianismo sexual

Com entradas a 14 € (individual) e 24 € (para casal) e num fim de semana de Carnaval e com o dia de S. Valentim a juntar-se à festa, realizou-se mais um festival erótico em Lisboa. Não desejo que tenha sido um fracasso, mas aborrece-me ouvir banalidades provincianas sobre supostos visitantes provincianos. Não sei se, talvez levados por emoções sadomasoquistas, ouvi numa reportagem tanto expositores/artistas e visitantes a queixarem-se que os portugueses são muito inibidos e têm muitos tabus. Parecem ver muito e comprar pouco. Não têm particular interesse em comprar brinquedos sexuais ou em participar nos espectáculos, nem que seja apenas como público entusiasta. Pela cabeça destes comentadores parciais não passou que a vida económica não está particularmente fácil. E os preços não parecem ser particularmente acessíveis (a somar ao preço da entrada, há que acrescentar os preços dos espectáculos privados e dos objectos e roupas à venda no certame). Também não passou que os portugueses não sejam grandes adeptos deste estilo de sexo. Como se ao sexo fossem imprescindíveis o uso de brinquedos e de conjuntos de fantasia. E, talvez acima de tudo, transformar um acto privado numa actividade pública. Não sei se intoxicados pelas 50 tonalidades cinzentas, vêem a vida sexual portuguesa como pouco colorida. E talvez até seja conservadora, tal como eu. Mas não consigo ver nisso uma vida sexual insatisfatória. Pelo contrário. Até consigo ver na necessidade do uso de brinquedos e conjuntos de fantasia como uma forma de tentar tornar satisfatória uma vida que não o é.

2015-02-14

Nem namorado, nem encalhado

Neste mundo cada vez mais globalizado e, consequentemente, mais massificado, a pressão dos pares sobre os ímpares é grande. E muitos ímpares tentam libertar-se, devolvendo a pressão sobre os pares. Na realidade acabam por pressionar muito mais os seus pares do que os outros. E embarcam em reacções, tais cães de Pavlov, após sentirem o estímulo. Numa sociedade onde vale cada vez mais o ter do que o ser, o apelo ao consumo é quase esmagador. E qualquer dia pode funcionar como uma boa desculpa para apelar ao consumo, de forma mais ou menos despudorada. E podendo vender aos pares, os apelos valem a dobrar. Não sendo auto-suficientes, trocamos o nosso pão-por-Deus pela travessura ou gostosura. Curiosamente, até trocamos a própria língua. Importamos necessidades e esquecemos tradições numa evolução em direcção à alienação. Compramos o apaziguamento para um dia, esperando que transborde para todos os outros. E quem a este rebanho não se juntar, mais do que ovelha negra, mais ímpar irá ficar.