2014-09-28

Fracasso vocabular

Enquanto que para o fracasso alheio há sempre palavras que chegam e sobram para o caracterizar, normalmente para o meu são poucas. Ou nenhumas.
Mesmo que o fracasso não tenha dependido apenas de mim, a minha quota parte da culpa nunca fica solteira. Desculpar o meu fracasso com o fracasso alheio sempre me pareceu fraco. Muito fraco. E atribui-lo ao azar é aselhice.
Faltam-me adjectivos e desculpas. A falha fulanizada aponta imediatamente um culpado. Um culpado que é preciso punir, sem apelo nem agravo. E ao mesmo tempo sem qualquer julgamento justo.
A justiça, apesar de necessitar de rapidez se pretender ser justa, necessita de tempo para que haja distanciamento, uma vez que não se deve ser juiz em causa própria. E na própria causa a culpa ofusca qualquer razão.
Ainda que digam que o silêncio é preferível a proferir palavras sem sentido, mas como armas, para mim o silêncio não é de ouro. Ou ficaria rico após cada fracasso, motivando-me para projectar o próximo.
Entretanto, quando nada mais há para conversar, não há maior, e ao mesmo tempo mais justa, punição do que a ausência e respectivo silêncio.

2014-09-13

O tempo mortal

O mortal que passa o tempo
A lamentar-se do tempo que faz,
Perde tempo, perde gás.
Esquece que o tempo
Não pára nem volta atrás.
Não quer ver que o tempo
Ignora a sua pequenez.
Ainda que de quando em vez
Lhe faça, por um momento,
Pensar que é grande o seu,
Ainda que por pouco tempo,
Reflexo que mira num espelho.
No mesmo que deforma
A realidade, que só ele vê.
Sempre novo, nunca velho,
O tempo que transforma
O cérebro que, ainda sendo seu,
Não comanda totalmente
E sobre a sua imagem mente.
E quando o seu tempo acabar
Quem perderá tempo a recordar?